quarta-feira, 30 de abril de 2014

Refletindo sobre a semelhança entre o livro e minha própria vida

Pensando um pouco sobre minha vida depois de ler "Um gato de rua chamado Bob" vi que, apesar de nunca ter usado drogas nem morado nas ruas como James, percebi que tenho muita coisa em comum com ele...
Meus pais também se separaram quando eu era pequena, também me mudei muito de casa a vida toda, apesar de nunca ter mudado de país como ele, mas nunca morei mais de 3/4 anos no mesmo lugar, eu também tenho o diagnóstico de TAB, também falhei em não agarrar muitas oportunidades na vida, também perdi duas vezes meu meio de vida, o primeiro, e mais importante deles, meu trabalho de longos 11 anos  nos Correios por causa das intrigas e mentiras de outras pessoas e minha vida também começou a mudar por volta de 2007. É claro que, na maior parte do tempo, trilhamos caminhos muitos diferentes. Opostos até. Mas consigo ver muitas semelhanças em nossos caminhos, nossas escolhas e como saímos de um abismo triste e solitário para um lugar ao sol. Claro, ainda falta muito para eu conquistar de fato meu lugar ao sol. Não escrevi nenhum best-seller nem nada. Sou apenas a escritora de um blog onde quase ninguém lê e quem realmente lê dificilmente curte ou comenta. Mas já percorri um longo caminho até aqui e, como sabem, estou estudando para tentar ter uma vida melhor e também, apesar de minhas constantes reclamações, não estou mais sozinha.
Nunca sofri bullyng na escola mas também nunca fui muito popular, só entre os professores, como eu sempre fui nerd e tirava boas notas eles gostavam muito de mim e me davam certas responsabilidades como passar a matéria na lousa ou vigiar a classe enquanto eles estavam fora, o que acabou de vez com minhas chances de ser popular, mas mesmo assim conseguia a amizade e simpatia de outros nerds como eu.
O "bullyng", se é que posso chamar isso assim, veio por parte de dois "irmãos" da igreja das Testemunhas de Jeová que abusaram de mim quando eu era criança. O primeiro deles apareceu na minha vida quando eu tinha entre 4 pra 5 anos. Ele morava numa casa ao lado da minha e era sempre muito "legal" comigo. Como eu era muito pequena eu não tinha idéia do que estava acontecendo, mesmo porque ele nunca me bateu ou coisas do tipo, ele só gostava de me "beijar" e me "acariciar". Mas logo ele se mudou e teria me esquecido dele pra sempre se nós também não tivéssemos nos mudado e passei a ser vítima do nosso novo vizinho... Ele já era bem velho e tinha até cargos de responsabilidade na igreja das Testemunhas de Jeová a qual minha vó e minha mãe pertenciam e a qual minha mãe, me forçava a ir. Como o outro, esse também nunca me bateu ou algo assim, mas era muito "carinhoso" e me dizia fazer certos "carinhos" com os quais ele sempre ficava muito "cansado" e "extremamente feliz".
Não vou entrar em detalhes, ninguém aqui é burro e, apesar de normalmente eu não me ater a pudores para falar ou escrever, é um assunto delicado e eu não gosto de falar sobre isso.
Isso durou até os meus 10 anos quando ele finamente se mudou,
mas, isso não acontecia só comigo, outras meninas da região também sofriam o mesmo tipo abuso e não duvido que ele tenha parado seus hábitos depois de se mudar novamente. Nunca procurei por ajuda porque na verdade não tinha idéia do que estava havendo. Eles simplesmente me diziam que eu não deveria contar pra ninguém ou eu teria muitos problemas. Eu já apanhava em casa sem fazer muito esforço então decidi não contar nada com medo de apanhar mais. Não sabia se era certo ou errado, eu só queria evitar problemas. Naquela época não era como hoje em dia. Não existia internet, meu acesso à tv era muito limitado e nem minha mãe, nem meus avós nunca tinham conversado comigo sobre sexo. Na verdade a conversa mais direta sobre o assunto com um deles foi quando eu comecei a namorar o Léo em 2009 e meu avô veio me dizer que não deveria dormir sozinha na casa dele ou ele na minha. Eu simplesmente sorri e disse que já fazíamos a algum tempo, então ele apenas balançou a cabeça e não tocou mais no assunto. Mas na minha infância até falar sobre a menstruação era um tabu. Só fui descobrir de fato o que tinha acontecido comigo na adolescência e, como fui criada em meio a uma sociedade e religião hipócritas e machistas, sempre me culpei por tudo o que tinha acontecido e, em um dado momento da minha vida, decidi que merecia uma punição e tinha que encontrar um meio de "expiar os meus pecados".
Mesmo nunca tendo gostado de ter sido forçada a ir a igreja das Testemunhas de Jeová e sempre ter conseguido dar um perdido nas "irmãs" que iam na minha casa me ensinar sua doutrina essa era a que eu conhecia melhor e, de alguma forma, uma "irmã" que começou a me visitar quando eu tinha entre 14/15 anos conseguiu me convencer de que esse era o caminho certo para me achegar a deus e conseguir expiar meus pecados. Claro, nunca contei a ela sobre aqueles homens. Nunca tive coragem de contar a ninguém até por volta de 2002/3 quando comecei a me consultar pela segunda vez com uma psicóloga. A primeira foi em 97 quando eu tinha 14. Mas nunca confiei muito nela e tive certeza de que não deveria quando levei uma grande bronca da minha mãe por causa das coisas que eu havia dito a psicóloga, foi aí que tive certeza de que não deveria contar nada a ela. Mas essa me parecia confiável, eu já era adulta e não já morava com minha mãe a alguns anos. Sabia que as duas nunca se encontrariam e, se algum dia se encontrassem, ela estava sob sigilo médico e só poderia dizer algo se eu autorizasse. Também ela tinha uma maneira sutil e, eu até diria, elegante de me "forçar" a falar.
Sei que parece hipocrisia da minha parte escrever sobre isso num blog que pode ser lido por milhares de pessoas no mundo e dizer que não quero falar sobre isso com minha mãe mas também sei que são poucas as pessoas que me conhecem de fato que o lêem e mesmo assim essas pessoas não a conhecem e, se a conhecessem não ganhariam nada contando sobre isso pra ela. Ela mesma jamais terá acesso a ele visto que ela mal sabe mexer num celular ou na televisão. Nunca tive essa conversa com ela e, agora que ela está num estado de saúde no qual mal consegue nem cuidar de sí mesma, nunca vou querer ter.
Continuando sobre a reflexão entre minha vida e a de James, o bullyng sobre mim começou entre o fim da adolescência e o início da faze adulta. Apesar de ter me formado no ensino médio com louvor fui desencorajada pelos anciões e outros membros das Testemunhas de Jeová a não entrar para a faculdade para fazer um trabalho voluntário que eles chamam de "serviço de pioneiro do ministério teocrático".  Eles estavam sempre enfatizando o quanto esse tipo de trabalho agrada a deus e, é claro, eu queria muito expiar meus pecados. Abandonei de vez o sonho da faculdade ou de seguir carreira teatral, ao qual eu já tinha estudado por um tempo e já tinha até certa experiência, para me dedicar a entrar para a equipe de serviço de pioneiros. Mas eu queria mais. Queria fazer parte da famosa e abençoada "família de Betel" que são pessoas que dedicam suas vidas a morar e trabalhar voluntariamente numa fábrica de revistas e livros das Testemunhas de Jeová e ainda continuam no serviço de pioneiros. Eu tinha que ter aquilo! Sabia que com certeza meus pecados seriam perdoados se fosse aceita como membro. Mas sabia que sozinha nunca conseguiria. Um dos pré-requisitos para se tornar parte da "família de Betel" é ser um homem solteiro ou um casal e que já servissem como pioneiros a alguns anos. Como não sou homem, passei também e me dedicar a aprender a como ser uma boa esposa, submissa e leal como dizem as escrituras, e a procurar um par, além de trabalhar fora para me sustentar e fazer o serviço de pioneira em todas as minhas horas vagas. Eu até aprendi a falar em libras para ensinar a "palavra" aos surdos. Mas os irmãos, em especial os pioneiros, eram muito exigentes em relação a escolher uma namorada e a concorrência era desleal. Em geral eles preferiam aquelas cujos pais já tinham altos cargos na igreja, o que não era o meu caso e, por ser muito ingênua, eu era um imã e alvo fácil de cafajestes. Apenas minha mãe e avó eram Testemunhas de Jeová e, como mulheres, jamais teriam um alto cargo nessa igreja machista. Mesmo que tivessem elas moravam em outra cidade e nunca me visitavam. Era eu quem fazia visitas a elas.
Quando, por fim encontrei alguém, fui vítima de um grande ato de preconceito e, diria até de maus tratos, por parte dos membros da igreja. Meu namorado não era membro, de fato ele era católico, mas não via problema em eu ser TJ e até ia algumas vezes comigo. Eu queria muito ter encontrado um namorado que seguisse a mesma doutrina que eu mas, com o passar dos anos, fui chegando a conclusão de que não queria passar o resto da vida sozinha e não via problema em namorar alguém "de fora" desde que este aceitasse o meu modo de vida e minas crenças. Não pensei sempre dessa forma, é claro. Mas quando me dei conta de que estávamos ficando cada vez mais próximos comecei a refletir sobre isso. Mesmo porque eu não causei essa situação, ela aconteceu naturalmente. Mas os membros da igreja não viam assim. Eu era uma depravada, uma pecadora. Me levaram a uma espécie de julgamento com direito a "juízes", "acusação", "defesa" e "testemunhas". Fui julgada culpada do crime de namorar o que eles chamam de "mundano" e se eu não me separasse dele ou não me casasse o mais rápido possível seria expulsa da igreja. Quando todos souberam que eu havia sido "repreendida" da noite para o dia passei a ser um tipo de persona non grata e todos passaram a me isolar. Isso pra não falar sobre todo tipo de assédio moral que já sofria no trabalho e que me fizeram começar a frequentar primeiro uma psicóloga e, consequentemente, um psiquiatra anos antes. Aos poucos fui parando de frequentar a igreja e meus problemas psiquiátricos só foram se agravando até eu finalmente ser internada em uma clínica de repouso, ou melhor, um manicômio no início de 2007, com apenas 24 anos e uma tentativa de suicídio por overdose. Não, eu nunca usei drogas. Não as ilegais pelo menos. Mas já tomei quase todos os tipos de antidepressivos possíveis e sempre tive acesso fácil a eles com as receitas passadas por meus próprios médicos mas eu só os tomava quando achava que tinha necessidade e muitas vezes eles se acumulavam em minha casa. Então, quando queria fugir da realidade, eu tomava umas doses a mais. Nesse dia não foi diferente. Depois de tudo o que eu passei pra ficar com ele descobri que o filho da puta estava me traindo com uma vagabunda qualquer. As coisas também não iam bem no trabalho então decidi tomar uma boa dose dos meus remédios para ver se, pelo menos, conseguia ter uma noite de sono tranquila. Por alguma razão os médios não estavam fazendo efeito e eu fui tomando um após outro até ter tomado uma cartela inteira e, finalmente, eu apaguei. Nunca tomei nenhum outro tipo de droga por alguns bons motivos:  nunca tive fácil acesso a elas, embora eu conhecesse alguém que usasse, mas eu nunca tive as caras de entrar numa boca para comprar e duvidava que a pessoa que eu conhecia as traria para mim e, mesmo que essa pessoa trouxesse e me ensinasse a usar eu não teria coragem de furar a mim mesma para injetar nada nem cheirar coisas que não deveriam ser cheiradas. Mas era óbvil que eu não tinha problemas com compridos. Mesmo assim, nunca tive acesso a nenhum. Mas sei que não exitaria em comprá-los se tivesse fácil acesso a eles e um bom dinheiro para isso. É, de fato eu teria que ter muito dinheiro sobrando pra gastar com drogas, pelo menos no início, pois eu era muito pão dura e não costumava gastar com coisas que não fossem tão necessárias. Motivo esse pelo qual eu comecei a fumar mas parei logo porque não tinha coragem de gastar mais de R$5,00 num maço de cigarros. Mais tarde, naquela mesma noite, eu acordei passando muito mal e acabei ligando para a emergência que me encaminhou em primeiro momento para a UTI mais próxima para fazer uma lavagem estomacal e, em seguida, para a clínica psiquiátrica, onde fiquei por quase um mês e, dois dias depois de sair, fui levada pra outra, dessa vez por minha família.
Já tinha tentado me matar várias outras vezes e essa era a segunda vez que me levavam pra uma UTI para fazer a lavagem estomacal. Mas como da primeira vez só me internaram por cerca de 36 hrs e me liberaram assim que alguém foi me buscar e achei que o mesmo aconteceria dessa vez. Por isso fiquei totalmente chocada quando descobri que estava numa clínica psiquiátrica.
"Eu não era louca. Não deveria estar ali. Isso era um total engano. Uma injustiça." Era o que eu dizia a mim mesmo. Mas com o passar dos dias fui percebendo que eu estava passando por muitos problemas e realmente precisava de ajuda. Perto de completar dois meses de internação e da minha alta do segundo hospital, já com o diagnóstico de TAB, eu já entendia melhor meu problema e agora tinha medo de sair da clínica e enfrentar o mundo aqui fora. Não preciso nem dizer que logo abandonei a seita das Testemunhas de Jeová. Mas me tornar atéia foi algo gradual e lento, afinal, eu crescera em uma família cristã onde todos tinham suas reais crenças em deus fossem eles TJs, católicos, crentes ou espíritas. Nessa época meu pai já havia se convertido a religião islâmica e tentara me levar com ele mas eu já tinha me decidido a não me prender a nenhuma outra igreja mesmo ainda não tendo me encontrado como atéia.
Apesar de ter tido todo o apoio da minha família, principalmente da minha irmã Talita, durante a minha recuperação, me apaguei a um amigo em especial durante processo: um ursinho de pelúcia a quem dei o nome de Felipe. Ele não falava, miava ou latia. Ele não comia, dormia, nem ao menos respirava. Mas ele era tudo pra mim. Não sei bem o porque mas desde que ele foi levado até durante a minha primeira internação e até mesmo depois de um bom tempo em que eu havia me recuperado e até voltado a trabalhar o Felipe era um companheiro constante em minha vida. Não ia a lugar algum sem ele e ai de quem tentasse nos separar. Ele era como um filho. Eu TINHA que cuidar e estar sempre perto dele. No começo, quando tive alta definitiva da clínica, eu não me preocupava muito comigo nem com mais nada, mas o Felipe tinha que estar sempre comigo. Conforme o tempo foi passando, e eu fui respondendo bem ao tratamento, começou entre os terapeutas e o psiquiatra o processo de me afastar aos poucos do Felipe. Afinal de contas não é normal uma mulher de 24/25 anos andar por aí com um urso de pelúcia chamando ele de filho. Foi difícil mas, por fim, me convenceram de que, mesmo o amando muito, poderia deixá-lo sozinho em casa para fazer outras coisas, ou melhor, viver a vida normalmente, e ele estaria bem quando eu voltasse. Mesmo assim, mesmo depois de ter voltado ao trabalho e até mesmo já estar morando sozinha novamente, como já não tinha mais nenhum amigo, visto que todos os que eu conhecia eram da igreja/seita a qual eu havia abandonado, o Felipe fora minha única companhia por um bom tempo e, sempre que eu saía pra fazer outras coisas que não fosse trabalhar ou ir ao médico, eu o levava comigo. Na verdade só parei de fato de andar por aí com ele um bom tempo depois que o Léo e eu começamos a namorar e, se não me engano, a morarmos juntos. Com a sua ajuda, seu carinho, amizade e compreensão, em certo ponto da vida eu percebi que não precisava mais me apegar a um urso de pelúcia sem vida para amar e ser feliz. Eu tinha alguém REAL ao meu lado para isso. É claro que eu ainda o mantenho bem guardado em um lugar seguro ao lado da minha cama e ainda me abraço a ele quando estou triste ou quando o Léo sai a noite para trabalhar ou para ir jogar com os amigos, mas não é mais como antes. Sei que não é nem de perto uma história comovente de amor e amizade mútuas como a de James e Bob, sou apenas eu e um urso ao qual eu me apaguei como a um filho com uma paranóia da minha mente, mas é a minha história de superação, gostem as pessoas ou não. Mas sua história me fez ter ainda mais certeza de que preciso morar num lugar onde eu possa ter um gato para amar <3
Como James, apesar de não ser budista e nem acreditar em coisas místicas como deuses ou mesmo o karma, eu acho as filosofias budistas muito interessantes e me apego a alguns ensinamentos do Dalai Lama, a quem considero um grande sábio, e algumas citações dele podem até ser lidos na página de poesias desse blog.
Por fim, como disse James na conclusão de sua bela história, "todo mundo precisa de um tempo, todo mundo precisa de uma segunda chance". Eu agarrei a minha...

2 comentários:

Oilusionista disse...

puxa que legal seu blog, eu gosto quando vc fala da sua vida e inclui os tjs nela. Tipo, eu um dia kero fazer um rpg teatro live-action sobre as tjs mas de modo sutil. acha que poderia dar certo?

Lívia Yukishiro disse...

Achei sua ideia muito boa Oilusionista xDDDD
Qnd sua peça estiver pronta não esqueça de me convidar ^_^